“Engula o
choro presidente. Engula o choro ao falar da tragédia de Santa Maria. Engula o
choro e todos os problemas desse país e que nele estão escancarados. Engula que
o medo do segurança de ser emitido neste país é maior do que sua consciência de
deixar as pessoas saírem sem pagar suas contas para não morrer. Engula a soberba dos donos de
empresa desta nação que não estão nada preocupados com pessoas como eu e até
mesmo como a senhora, porque estão focados demais em lucrar, e preferem fechar
as portas como uma câmara de gás, a ter prejuízos. Engula a pressão que todos
os seus funcionários sentem todos os dias. Engula que para arcar com seus
altíssimos impostos, todos eles dão um jeitinho bem brasileiro de se desviar
dos regulamentos e leis. Engula que os órgãos responsáveis por evitar que isso
aconteça não funcionam. Engulam que eles deixaram essa, entre tantas e tantas
casas mais, funcionar sem licença. Engula que, provavelmente, alguém que também
ganha pouquíssimo aceitou um suborno para que isso acontecesse. Engula que a
senhora até teve sorte por ser apenas essa casa entre todos os tantos lugares
que deveriam estar fechados, que caiu na boca da mídia. Engula a mídia que vai
atacar com todo o sensacionalismo possível as famílias que estão procurando
celulares em cima de corpos para reconhecer seus filhos. Engula as operadoras
que não funcionam e que, provavelmente, impediram uma série de vítimas de
pedirem socorro. Engula que o socorro que chega para se enfiar em lugares como
este, pegando fogo, cheio de corpos de jovens para serem resgatados, recebe um
salário vergonhoso, com descontos ainda mais vergonhosos, e ainda assim
executam um trabalho triste e digno, antes de voltarem para casa e agradecerem
por seus próprios filhos estarem dormindo. Não, presidente. Não chore ao falar
da tragédia. Faça! Faça alguma coisa. E pare de nos dar como exemplos uma série
de catástrofes para tomar medidas idiotas que não valerão de nada alguns meses
depois. Não se emocione. Acione! Acione todos os órgãos públicos, faça uma limpa
em sua maldita corrupção e devolva o mínimo de dignidade á segurança pública,
ás instituições sérias, aos professores, aos bombeiros, aos enfermeiros, aos
seguranças, aos jovens.. Não faça um discurso. Mude o percurso. Mude tudo
porque estamos cansados de ver nossos iguais pegando fogo, morrendo afogados,
morrendo nas filas, morrendo no crack, morrendo, morrendo, morrendo, e tendo
como última imagem aquela TV aos fundos anunciando o fim de mais uma bilionária
obra de estádio de futebol. Não, presidente. Desculpe, mas na minha frente, a
senhora não pode chorar. Não pode chorar sua culpa. Não pode chorar sua
inércia. Não pode chorar no Chile mas também não pode chorar em Santa Maria.
Porque isso é muito maior do que somente um acidente. Isso é muito maior do que
somente a sua comoção. Engula o seu choro, presidente. O seu, o dos jovens que
perceberam que não teriam mais o que fazer a não ser morrer, e em especial, o
choro dos amigos e familiares deles, que em um país como esse, não têm outra
opção que não chorar. Engula o choro, presidente.” (Marcella Martins)
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