“Por vários dias, semanas e meses que
antecederam o Natal, eu namorei aquela bicicleta colorida colocada
estrategicamente na vitrine daquela loja. Era linda! Sonho de consumo de toda garotada
que estudava no colégio ao lado da loja. Toda confeccionada em alumínio, cores
vivas e pneus largos. Era o máximo! Com meus seis anos de idade, já sabia
escrever meu nome e rabiscar algumas palavras. Sonhando com a bicicleta, não hesitei
em arriscar uma cartinha ao “bom velhinho”, até porque, segundo os mais velhos,
o Papai Noel não se esquece de ninguém. Escrevi pedindo a minha bicicleta
colorida! Na noite de Natal todo mundo sabia que ele chegaria pela chaminé
carregando aquele enorme saco de presentes nas costas. Onde não tinha chaminé,
ele deixava o presente no sapatinho ou nas árvores de Natal. Na minha casa não
tinha chaminé e muito menos árvores enfeitadas. Eu tinha apenas aquele velho
chinelo de dedo todo amarrado com pedaços de arame, companheiro inseparável nas
minhas caminhadas pelas ruas de terra rumo á escola e ás missas aos domingos
celebradas pelo “Padre Lopão”. Mas dentro de mim, eu acreditava que o Papai
Noel viria. Embalado pela certeza da visita do “bom velhinho”, peguei no sono
como um anjo. No outro dia, quando o sol penetrava pelas frestas da janela de
madeira mal acabada, minha mãe entrou no quarto e me entregou um pequeno
embrulho mal feito, dizendo com sua voz suave e embargada: “...aqui está o seu
presente de Natal, o Papai Noel nunca se esquece de ninguém!”Levantei-me e num
único impulso rasguei o pequeno embrulho por onde quicou uma pequena bola de
borracha. Não era a minha bicicleta colorida! Corri até a sala e me curvei para
olhar embaixo da cama onde meu irmão mais velho dormia. Nada, a minha bicicleta
colorida também não estava lá. Pensei, meditei e cheguei a pensar que o Papai
Noel não sabia ler, ou talvez, ele tivesse trocado o meu endereço. Isso mesmo:
certamente ele confundiu e. Em prantos fui até a bica d’água na porta da
cozinha onde minha mãe lavada a roupa surrada que eu usaria no Natal e
perguntei se o Papai Noel voltaria, se ele passaria de novo para desfazer a
troca e concertar o erro, pois eu não havia pedido uma bola de borracha, mas
sim uma bicicleta colorida. Desolada, minha mãe em prantos me pegou no colo e
disse: “...me perdoe meu filho se não lhe trouxe o presente que desejava. Não
tinha o dinheiro suficiente, por isso lhe trouxe essa bola.” Abracei minha mãe
com ternura e choramos ali mesmo! Desde então descobri que o Natal, esse que se
comemora com troca de presentes caros e mesa farta, não chega até o lar dos
garotos pobres. E o “bom velhinho”, não existe, e quando existe, ele é cruel,
pois nos revela a diferença e a desigualdade social. Não comemoro o Natal, não
enfeito árvores, não coloco pisca pisca e não espero há muito tempo o Noel que
nunca vem. A ilusão consumista foi-me substituída, muito cedo, nesta vida, pela
verdade de que o amor vale mais que aquela bicicleta colorida, que aquela
boneca que anda e fala. Minha mãe não tinha como me dar aquela bicicleta
colorida, mas seu gesto e aquela simples bola de borracha mudou a minha
história. O Noel que inventaram não visita casa pobre, não sabe ler as
cartinhas que lhe são enviadas pelas crianças pobres. Essa lenda do consumismo
criado para satisfazer uma necessidade de venda do mercado de consumo, faz
aumentar a desigualdade e crescer as diferenças. No Natal eu simplesmente
comemoro a lembrança do nascimento do Menino Jesus, o filho de Deus”. Há todos,
um Feliz renascimento do Menino Jesus!
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